A Abefaco é uma associação criada em 2015 para o desenvolvimento de ações técnico-científicas que visam o fortalecendo da Enfermagem de Família e Comunidade atuante na Atenção Primária à Saúde (APS) brasileira, reconhecendo como modelo prioritário a Estratégia Saúde da Família. Ao mesmo tempo que nos dedicamos a esse campo da atuação, o reconhecendo como de suma relevância para o Sistema Único de Saúde, estamos atentas ao contexto geral da Enfermagem no Brasil.
Destacamos que nossa profissão é constituída essencialmente de mulheres negras e que tem recebido baixíssimos investimentos do Estado em políticas públicas para a educação profissional e gestão do trabalho. Sua formação tem sido realizada majoritariamente pelo auto custeio na iniciativa privada, tanto pelas enfermeiras, quanto pelas técnicas de enfermagem. Essa modalidade se estende para a pós-graduação. Quanto à sua vinculação ao mercado de trabalho, esta tem sido de maneira precarizada e com baixos salários (Perfil da Enfermagem no Brasil, 2012).
Reconhecemos que no Brasil há escassez de profissionais de enfermagem em todo o território nacional. Segundo a OECD, ocupamos o quarto lugar das piores médias da relação de enfermeiras por 1000 habitantes, entre os 36 países membro e oito parceiros (OECD, 2019). Segundo dados também da OECD e da OMS disponibilizados na Revista Poli - maio/junho/2023, enquanto a Alemanha possui 12,1 enfermeiras por 1000 habitantes, o Brasil conta com 1,6 profissional por 1000 habitantes. Além de insuficiente, a distribuição dos profissionais da enfermagem entre as diferentes regiões do país não é equitativa e possui grandes concentrações na região Sudeste e em algumas capitais do país (Opas, 2020).
Apesar da enfermagem ter conquistado o piso salarial da categoria por força de lei, as profissionais tem encontrado resistências políticas e jurídicas, especialmente pelos interesses da iniciativa privada, para que de fato seja implementado, expressos inclusive por ameaças e demissões concretas (Boletim Rede APS, 2022).
Em observação à questão da emigração de profissionais da enfermagem brasileiras para a Alemanha, observamos que segundo o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) já existem 200 profissionais de Enfermagem brasileiros em atuação e mais 384 estão em processo de formação, com expectativas de contratar até 700 profissionais por ano a partir do acordo de Cooperação Técnica firmado entre os países (Cofen, 2023). Em momentos anteriores, vimos que o posicionamento do Cofen envolveu cuidado em relação às situações de vulnerabilidade em que muitas enfermeiras brasileiras se encontram por não conseguirem aprovação no exame para o exercício profissional e por experimentarem problemas inerentes ao alto custo de vida e mercado de trabalho super regulado. O Cofen reconhece o interesse das enfermeiras na oportunidade em um país europeu diante do cenário de baixos salários e condições duras de trabalho no Brasil, mas que compreende a necessidade de haver transparência e clareza sobre as condições e as atribuições da enfermagem na Alemanha para que as imigrantes não corram riscos (Cofen, 2022).
A direção da Abefaco buscou ouvir informalmente colegas enfermeiras que estão trabalhando na Alemanha para olhar por outros prismas o contexto vivenciado por elas. A partir do diálogo, as colegas relevaram que não há inserção profissional destes na APS, suas atribuições são equivalentes ao profissional de nível técnico brasileiro, algumas vezes se sentem inseguras com o grau de autonomia versus complexidade do paciente, dependendo em qual cidade atua o salário pode ou não ser suficiente, e algumas relataram se sentir mais seguras, porém, encontram dificuldades de inserção social e relações de amizade. Apontaram que o Cofen deveria pesquisar mais sobre o contexto para esclarecer mais sobre os riscos e vantagens da imigração.
Entendemos que, apesar das enfermeiras emigrantes não atuarem na APS, foco de nossa atuação enquanto entidade associativa e técnico-científica, não somos solidárias a nenhuma iniciativa que coloque em risco nossas colegas que foram para qualquer país. Observamos que há interesses e motivações particulares para buscarem oportunidades diante de um cenário brasileiro de pouca valorização da enfermagem, pelas ausências de políticas para a formação e qualificação profissional, exploração das condições de trabalho e baixos salários, em contraponto a uma vida em um país europeu. Percebemos um nível de cuidado que o Cofen possui ao intermediar e intervir junto ao governo Alemão para equacionar o problema e esperamos que essa seja uma conduta permanente. Outro ponto que alertamos se refere às incongruências do incentivo a imigração de enfermeiros brasileiros enquanto ainda temos problemas no provimento de profissionais no Brasil.
Por fim, reconhecemos as condições nas quais as profissionais da enfermagem alemãs experimentam e nos importa saber por que razões estas se desinteressam pela atuação na Alemanha. Consideramos que a discussão está incipiente na diretoria e que estamos buscando discutir com outras entidades
Para conferir a Nota Técnica publicada pela Rede APS, clique aqui.
Rio de Janeiro, 21 de junho de 2023.
Referências
Organisation for Economic Co-operation and Development [OECD]. Health at a Glance 2019: OECD Indicators [livro na Internet]. Paris: OECD Publishing; 2019
[acesso em 2021 jul 29 20]. Disponível em: https://www.oecd.org/health/healthsystems/Health-at-a-Glance-2019- Chartset.pdf
Organização Pan-Americana de Saúde [OPAS]. Fotografia da enfermagem no Brasil [Internet]. Brasília; 2020 [acesso em 2021 jul 04]. Disponível em: https://apsredes.org/fotografia-da-enfermagem-no-brasil/
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